Folha Online


13/04/2003 - 03h10

Estrela da morte

SALVADOR NOGUEIRA
da Folha de S.Paulo

Já pode até ter acontecido.

Num evento cósmico de proporções colossais, uma das maiores estrelas da Via Láctea -a mais próxima da Terra com essas dimensões- entra em colapso, ameaçando afetar seriamente a vida no planeta azul. A falta de matéria suficiente para a manutenção do processo de fusão atômica no núcleo estelar faz com que o corpo maciço se quebre.

As camadas exteriores são ejetadas com grande violência, num último rugido do astro moribundo. O que sobra inicia um processo igualmente violento de implosão, impelido pela hercúlea força gravitacional gerada pela massa remanescente.

A densidade atinge nível crítico e o raio da estrela diminui até que a gravidade na superfície fica tão intensa que nem a luz, a coisa mais veloz que existe, pode escapar. O objeto some, tornando-se um buraco negro.

O início do colapso é imediatamente acompanhado por um intenso disparo de radiação eletromagnética e por uma onda de choque gerada pela matéria expelida. Os átomos seriam gradativamente desacelerados pela própria gravidade do corpo central, que, embora desaparecido, continua influenciando localmente o espaço-tempo. Eventualmente, esse material será agregado a nebulosas, onde se tornará matéria-prima para novas estrelas.

Já a radiação, que por um instante fez da estrela decadente objeto mais brilhante do que o Universo inteiro reunido num único ponto, não encontrará freios.

Galopando pelo cosmos num ritmo de 300 mil quilômetros por segundo -o limite máximo de velocidade estabelecido pelas leis da física-, esses raios de luz intensos, energéticos e invisíveis atingirão a Terra em cerca de 8.000 anos. Banharão todo o hemisfério Sul com a poderosa radiação.

As consequências são imprevisíveis, mas podem incluir aquecimento da alta atmosfera e mutações letais em seres vivos na superfície. Seja lá o que vier, não será coisa boa.

"Fui procurado recentemente por um escritor americano de ficção científica. Ele queria saber mais sobre os potenciais efeitos da explosão da estrela", conta Augusto Damineli, astrônomo do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo. "Ninguém sabe exatamente o que vai acontecer com a Terra com essa radiação toda, mas eu o ajudei com algumas contas. Por enquanto, é uma ficção -uma ficção com cálculos realistas."

Damineli é um dos maiores especialistas do mundo na estrela Eta Carinae, um sistema gigantesco que deve produzir a explosão de hipernova mais próxima da Terra (e mais ameaçadora à vida) de que se tem notícia.

"Na verdade, estima-se que ela vá se tornar hipernova daqui a 10 mil a 100 mil anos. Mas, como ela está a 8.000 anos-luz daqui, se a conta estiver um pouco errada, já pode ter ocorrido. A avalanche pode estar a caminho."

Segundo o físico teórico italiano Remo Ruffini, da Universidade de Roma, as explosões de raios gama (gamma-ray bursts) que acontecem nesses eventos cataclísmicos são muito perigosas.


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